sexta-feira, 24 de abril de 2020

Escrita fraturada

Quando comecei era por sobrevivência
O tempo passou e os intervalos ficaram maiores
Se não escrevo estou em sobrevida?
E se escrevo, estou à beira da morte?
A escrita de mim tem dessas coisas
Não tenho compromisso, nem quero tê-lo
A escrita é fraturada, é verdade
É só por isso que me reconheço nela
Se há ferida ou cicatriz
é a memória do tombo ou do sopro que registro.

sábado, 17 de junho de 2017

Apenas um mal-entendido?



Um mal-entendido já não pode mais ser resolvido.

O intelectual esquecido

A falsa modesta estudante

O gente boa esquisito

O poliglota malquisto

O sem noção

Toda intenção e todo tipo de gente

Num corre-corre, na velocidade da luz,

Decidiu que quer virar celebridade

Na sua bolha de amigos, quer parecer inteligente,

Engajado, reflexivo, porta-voz do bem contra o mal.

Comentando, replicando e compartilhando a bravata

Atropela e esmaga o esforço intelectual

Se esquece da pessoa, da humanidade da pena.

Nesses tempos de consumo de informações falseadas

Sai na frente quem compartilha primeiro

Sente-se importante quem comenta e espalha

O mal-entendido reina sobre a nota corretiva

Acha-se isso, acha-se aquilo, todos têm uma opinião.

Escreve-se muito e muito rapidamente

Não há tempo de maturação

Eis o problema das conclusões apressadas

Expõem e constrangem o sujeito/pivô

E o pior é saber que isso tudo ainda não acabou.

Pois a falsa notícia sobrevive como espectro virtual

Assombrando e atormentando

Nesse mundo de mentiras, ela é atemporal.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Dois sobreviventes

Seus olhos não o deixavam ver
Seu arrependimento é maior agora
Sua traição, aguarrás de fonteiras
Foi baleado e revidou o tiro
Só depois entendeu que salvava o soldado errado
Voltou atrás, em total insegurança
Resgatou o soldado que importa e ambos estavam feridos
Agora está a seus pés em oração
Ele não quer sobreviver sozinho.


segunda-feira, 4 de abril de 2016

Homenagem a Antônio Velasquez

Ele, que não tinha um nome
Ele, que pagava pouco, mas pagava ao seu analista
Ele, que estava eternamente parando de fumar
que odiava o desapego e que pagaria dobrado
Ele está preso em seu mundo...

De tudo, o que ele me deixou de mais bonito
Mais verdadeiro e atual
reproduzo aqui  e me despeço, pois afinal...

... Em qualquer canto que há,
quando a questão se tratar
de deglutir, digerir e analisar,
o afeto há de por lá ter inscrito
sua intenção de ficar.


sexta-feira, 23 de outubro de 2015

"Em estado de poesia"


Do cabaré ao ensimesmamento,
do poeirão do arrasta-pé aos meus vinte anos idos,
fui, voltei, me perdi e me encantei
porque "de tudo acontece na geopolítica dos afetos".
Mas sobretudo porque bato no peito, puxo a cadeira e digo:
Chico César? Chico César é muito meu amigo!

domingo, 14 de dezembro de 2014

A Juanca

Envelhecer, amadurecer, me parece, é bem mais que parar de fumar.
É gargalhar e chorar, e de novo fumar um, dois, três, dez cigarros legítimos.
É de novo dirigir aquele fusca velho e problemático que insiste em me render boas histórias.  É ouvir aquela voz que se foi, desejar voltar  um tempo doloroso, mas tão bom!
É sobreviver ao que estava por vir, é a vontade de te contar o que rolou depois. É ouvir as músicas que não tive tempo de te apresentar e dividir com você novos segredos do meu idioma. Hoje, para mim, amadurecer é ter que viver tua ausência.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Viver é curioso, mas nem sempre.
Não raro é proveitoso.
A vida tem dessas coisas, dessas cores.
A vida são esses meios.

Viver é iludir-se em copo cheio.
é projetar-se, é quereres.
Mas a vida tem dessas coisas, dessas dores.
A vida são esses meios.

Nos traz sempre novidades,
mas com seus caprichos trai-nos
as mais honestas vontades.

Porque a vida,
a vida se esvai aos poucos,
no despedir-se dos outros.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O gosto da bebida doce



O gosto da bebida doce
do cigarro aceso
do enroscar do gato
O gosto de casa,
da minha vida
O gosto da escolha
 e da vontade, 
O gosto da existência
O gosto da conversa com a amiga
do compartilhar dos versos
O gosto do abrigo
O gosto do abraço
O gosto amigo
e familiar
O gosto do afago
Por todo gosto
Que como esses
Me fazem agrados

Muito gosto!

Obrigada!

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Deslo(u)camento

Quando chego já quero voltar.
Quando acordo neste lugar
é do lado de lá que desejo despertar.
Quando me deito
é  a minha cama que quero.
Quando falo
são ouvidos atentos que, em vão,
espero encontrar.
Quando me calo,
é o conforto dos outros
o que crio.
Quando me visto,
são olhares distantes os que recebo.
E quando me dispo,
parece difícil me olhar,
quando me enxergam.
Quando é hora de ir embora
é saudade de tudo o que tenho.
Uma saudade sem nome,
sem razão e sem fonte.
Quando retorno,
não sei mais de onde vim.
Pois assim se faz meu ir e vir
neste espaço confuso e distante
onde jamais vivi.